Um nevoeiro denso cobria por completo as imediações da barragem de Bemposta. De máximos e faróis de nevoeiro ligados não se via mais que 5 metros à nossa frente. As águas relativamente mais quentes do rio Douro em contraste com os -7ºC do ar circundante faziam-no transpirar para fora do leito e quer do lado português quer do lado espanhol o nevoeiro ia até mais de meia altura da ladeira. Do lado esquerdo a seguir à barragem um carro da Guardia Civil da província de Zamora abrigava dois guardas de turno na noite de natal. Quando os faróis do carro iluminaram a placa que anuncia Espanha eram ainda 6h da manhã, e, por isso, estes dois guardas (sabe-se lá de onde, até podiam ser da Catalunha ou das Canárias) ainda não podiam ter recebido o aviso de alerta via rádio que seria, vou esgalhar o meu castelhano todo, mais ou menos assim: "Atención! Atención! Todos veiculos en carretera alerta a coche de matricula portuguesa marca Ford modelo Mondeo. Se ha avistado por ultima vez en mogadouro (Braganza). Se sospecha de furto o accidente. escucho!!"
Mas não, ainda eram 6h da manhã. Antes desses dois guardas ouvirem esta comunicação, provavelmente a única dessa noite, os quatro jovens (quais meninos jesuzes) a caminho de parte incerta contemplariam um nascer do Sol, temperado com um finíssimo minguante laranja, na meseta zamorana em grande velocidade a ouvir um certo som.
Como era dia de natal até as bombas de gasolina estavam fechadas e por isso, quando finalmente apareceu uma aberta foi atestar, comer e dormir durante duas horas.
Nesse entretanto 29.564 km2 do território peninsular (Distrito de Bragança e províncias de Zamora e Salamanca) ficaram em alerta à procura de 'una ford mondeo gris de matricula pórtúguêsça'. Da neve da Sanabria ao gelo dos Gredos; dos contrafortes do Alvão à Tierra de Campos; do pico do Almanzor ao vale do Douro; GNR e guardia Civil à procura. E nós a dormir à saída de Zamora...e nós a dormir à saída de Zamora...à saída de Zamora.
Acordámos pá vida quando o Guardia Civil em Bermillo nos respondeu à pergunta 'donde se toma un café?' assim:
"es una ford mondeo?"
"si"
"Pica pa CASA! Os están buscando tio! Ala!"
Monday, 29 December 2008
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Só podia ser esta a tua versão dos factos!
ReplyDeleteDo lado português as coisas foram um bocadinho diferentes para quem esperava sem nada saber...
Aviso à navegação: esteticamente, adoro esta versão da ocorrência, castelhano esgalhado incluído. Há ali frases de antologia ("o nascer do Sol temperado com um finíssimo minguante laranja na meseta zamorana em grande velocidade a ouvir um certo som"); o ritmo segue os eventos narrativos, ora atrasa ora acelera, ressonando pelo caminho com aquele "e nós a dormir à saída de Zamora...e nós a dormir à saída de Zamora...à saída de Zamora". E as referências geográficas têm um não sei quê de Eça que não desfaz deste clássico das tragédias familiares no Reino Maravilhoso - cite-se comoe exemplo a frase "Da neve da Sanabria ao gelo dos Gredos; dos contrafortes do Alvão à Tierra de Campos; do pico do Almanzor ao vale do Douro; GNR e guardia Civil à procura". Um uso do ponto e vírgula impoluto de falhas, firme & clássico, um escritor no seu absolutamente melhor. Uma inveja fininha de não ser capaz de escrever assim, raisparta o irmão que tão bem prosa.
ReplyDeleteSou uma esteta e ri-me a bom rir com este post. Sou também uma crédula e por isso tenho de perguntar: é efabulação do narrador o guardia civil de Bermillo ou o episódio passou-se mesmo?
Quanto à irresponsabilidade do menino e pânico familiar provocado, estamos conversados, e isto não é lugar para ralhetes. Mas sempre te digo que não teres sequer empatia para com as pessoas que estiveram com o coração nas mãos até saberem dos meninos jesuzes manhã alta, passava das 10h da matina, é o que mais me choca nesta história toda. Tu não és assim - vê se vais à revisão dos 40 mil km.
Errata: onde se lê "ressonando", leia-se "cabeceando", claro.
ReplyDeletesim a história de bermillo é verdadeira.
ReplyDeleteObrigado pelas suas críticas, muito me honraram.
sim, estamos a pensar ir a revisão a marrocos, se quiser vir acompanhar teríamos todo o gosto.
sempre a considerá-la, atenciosamente, o lolito
faltou-me dizer que os meninos jesuzes saíram do carro à vez (recordo que estavam 7ºC negativos) para espreitar pelo telescópio o minguante alaranjado de ficção científica.
ReplyDeleteÓ claro escuro...Há muita coisa que não te lembras pá. Explica lá o que querias ir fazer a Zamora...
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