Aviso à navegação: este post foi escrito sob o efeito de endorfinas, mistura alhos com bugalhos e tem (argh!) um final feliz.
São quase duas da manhã e eu procuro uma música que me console de não ter trazido de Portugal o Requiem de Mozart, um "craving" que me assaltou depois de lhe ceder o computador, tão urgente como a vontade de comer chocolate. Ainda ensaio cantar o Kyrie, mas faltam-me pulmões e alter-egos para a empreitada. E o youtube & o deezer ali tão perto...
Na cozinha, petisco Borges e pão com queijo. Quem não tem Mozart caça com o que encontra, e calhou o argentino estar em cima da mesa (os livros nesta casa há muito se revoltaram contra a ditadura das prateleiras). Folheio à sorte quando dou com os Fragmentos de um evangelho apócrifo, bons demais para guardar só para mim. Regresso à sala e proponho traduzir-lhos. "Go on, then", diz ele, sem largar o labirinto de canalizações dos neopets. Talvez por causa dos meus fracos dotes de tradutora (como é que se diz "Não jures, porque cada juramento é uma ênfase" em inglês? - é necessário combater a polissemia e explicar-lhe que Borges se refere ao "swear" de mão na Bíblia, aos "oaths", e não à profanidade, embora não me desagrade a ideia de um mandamento "Não digas asneiras, porque cada asneira é uma ênfase"), talvez por causa da concorrência do laptop, não consigo convertê-lo. Hèlas, o Borges pode ter nascido numa biblioteca inglesa: este inglês ia a outra missa.
Agora apetece-me muito ouvir a morte de Weronika (ou concerto em Mi menor, para os mais picuinhas), do Van den Budenmayer, compositor apócrifo ao gosto Borgiano por detrás de quem se esconde o Preisner, em jeito de sucedâneo do Requiem - a dois cliques de distância no Youtube, assim eu consiga vencer o obstáculo firmemente sentado frente ao ecrã. A bulimia musical é assim: contrariada, passa do amargo ao agridoce, mas não desiste. Ainda tento cantar sozinha, mas nunca decorei a letra depois do "O voi che siete in piccioletta barca", e faltam-me todas as estrofes que medeiam entre este verso e os "Aaaah, aaaaah, ah - ahhhhhh!" que se seguem.
"Please, please, please, I'll just listen to one song, I promise!" "You know you never keep your promises." "Oh please..." "Let me finish this game and you can have it". Os tubinhos arranjam-se numa sucessão muito conveniente para mim, o jogo acaba, e agora sim, sento-me aos comandos da internet. Olha, não me lembrava que a soprano cantava "pichioleta" - ela não sabe que dois "cc" em italiano se lêem "quê", as in "Ecce homo"? Duh! Mas é lindo. Entusiasmo-me o suficiente to sing along, em tom demasiado alto para o adiantado da hora e para que ele me ouça do quarto. "Aaaaaaaaaaaaaaaaaaah - Aaaah - Aaaaaah - Aaaaaaaaaaaaahhhhhh!"
"You sound a lot better. You sing better than all this people, Cristina 'Braunco' and all". "Don't be silly". "But you do! I prefer you!" "You don't know what you're talking about", respondo-lhe sem falsas modéstias (pronto, só um bocadinho). Explico-lhe que canto em falsete e que me limito a macaquear as outras vozes, "vês? Não chego às partes mais altas e nas outras desafino". "I still prefer you".
Não sei se ouviram bem. Este homem prefere-me à Irene Jacob dobrada pela Elzbieta Towarnicka (tentem lá pronunciar este nome - don't you love google?). Razão tem o Evangelho segundo São Borges, que desta vez não resiste à tradução: Happy are the happy, number 51. "I like that one".
A hundred percent of people interviewed agree, mas garanto-vos que ela canta melhor.
Sunday, 30 November 2008
51. Felizes os felizes
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